quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Cenas da Plaza Mayor



Nem todos são livres na Plaza Mayor.


Ícone de Capital Espanhola, a Plaza Mayor representa a história de um povo movido à conquistas. Seu quadrado foi testemunha de épicas passagens do cotidiano madrilenho. Entretanto lanço nesse cyber espaço o seguinte questionamento...

Quem é livre na Plaza Mayor de Madrid?


Fato é que tudo acontece nesse quadrado, tudo acontecia e tudo acontecerá.


Suas sacadas vislumbraram casamentos, santificações, decapitações, festas, feiras e tantas outras passagens que fazem de suas paredes a cela da história espanhola. A forma de quadrilátero, símbolo da dinâmica que marca a arquitetura hispânica. Ícone da engenharia perfeita e perpetuada em sua feroz conquista americana. Aos meus olhos parece uma prisão.

Entro na Plaza Mayor. Respiro fundo. Ela me sufoca.

Olho para o lado, vejo um bando de turistas tentando sacar a selfie perfeita com a estátua "cavalerística" de Filipe III. Do outro lado uma família barganha o preço de uma caricatura, sem pensar no valor do artista. Tudo está à venda, tudo é negociável. Até a arte. Até? Na minha frente um Papai Noel cansado, fica apático à alegria da menina, que sonha com mil e uma possibilidades de presentes de natal.

Já é Natal na praça ícone da capital espanhola, a feira natalina traz as velhas novidades. O que surpreende são as mesmas pessoas que compram os mesmos artículos de Santa Claus do ano que passou. Consumo, consumo, consumo...


Uns presos à vaidade da exposição em redes sociais.

Outros presos à labuta mesmo que lúdica do cotidiano.

Muitos presos à necessidade de consumir.

Sigo minha caminhada, vejo um casal apaixonado com um cadeado na mão. A cena me angustia. O casal prende o objeto com suas iniciais em um dos quatro pilares de tortura da famigerada praça.

Nessa dualidade, penso na máxima espanhola de Don Rodrigo: "ha de perder la cabeza, pero no el orgullo". Opa! Pera, o cavaleiro medieval da épica frase espanhola pensaria o quê ao vislumbrar tal cena?

Sigo com a minha teoria e uma algazara chama a minha atenção. Paro e inevitavelmente sorrio. Crianças correm atrás de Bolas de Sabão gigantes. Uma cena inocente. O vendedor da fantástica máquina, cria cada esfera maior que a outra, em um ciclo mágico que é quebrado por um menino. O "chico" não deixa escapar uma bola, estoura todas! Orgulhoso, poderoso e nem tão inocente assim. Penso: nem a bola de sabão é livre na Plaza Mayor.


E ouço palmas, gritos e olho pra cima...

Um casal de uma das sacadas, acena para a multidão da praça. Os noivos, brindam diante do povo sua felicidade, celulares ao alto em poucos segundos o amor é compartilhado em inúmeras redes sociais. Ponto final! Missão cumprida, pode tirar o salto e a gravata. Acende um cigarro e confere quantas curtidas tem esse amor. Ah esse amor!

E chove, sinto que o céu chora e inunda a praça. A angustia me consome, penso em chorar também. Mas lembro, estou de passagem. Estou de passagem por aqui.

Em tempos de tinder, perde-se a cabeça em outro estilo. Bem diferente do estilo da Idade Média, ainda assim sofrido e amargo. Resumindo, do mesmo jeito. Reflito, será que Carlos Gardel pensou na Plaza Mayor para compor seu célebre tango "Por una cabeza"?

Quizas, quizás, quizas.

Continuo andando, pensativa. Até que um homem sem cabeça esbarra e tomba a minha câmera. Em sensação de dejavú tenho a nítida impressão que já nos vimos antes, talvez em outro contexto. Talvez dentro desse texto. Aquele momento onde a arte imita a vida, me abaixo pego a câmera e uma pomba dá um voo sobre a minha cabeça. E some da minha vista para além muros do famoso quadrado de Madrid.



Concluo:

Somente as Pombas são livres na Plaza Mayor.